A caixa no centro do coração
Cadê tuas lembranças. Onde guardas?
As minhas estão em uma pequena caixa. Uma caixa escondida
no centro do meu coração. De vez em quando faço como Alcione e deixo meu
pensamento ir visitar o passado. Não um passado qualquer, um passado especial
onde reencontro pessoas queridas. Rostos conhecidos que fizeram parte da minha
vida em uma época que ficou para trás.
O bom é que posso abrir a tampa e retirar, exatamente, o
que quero rever, posso também alterar fatos e até dar finais felizes para
histórias tristes. Posso dar risadas novamente com piadas antigas ou momentos
engraçados que vivi ao lado de amigos.
Posso me rever aos 18 anos, cheia de sonhos e linda como
nunca. Dona do meu nariz e achando que nada de triste poderia me atingir, que
mandava no mundo.
Nestes momentos, quando abro a minha caixa de
reminiscências, gosto de ir passear no ano de 1983, um ano que marcou a minha
adolescência. Abrindo a minha caixa posso escutar novamente a risada gostosa da
Sandra Luna, a risada, o rosto, o cheiro.
Com a Sandra vem a Tânia, a Rogéria, o Luiz, nossa
turminha tão querida de Monte Dourado. Posso ver novamente o Negão em uma roda
de viola, soltando a voz em uma música que nos embalava. Ou rever a carinha
triste do Eudes indo para o escritório assinar papéis quando na realidade
queria se deitar debaixo de um carro e mexer no motor até se sujar todo de
graxa.
Me rever sentada na sorveteria Andreia tomando vaca preta
com a Joana D'arc ou na plateia dos festivais do Jari e torcer pelas músicas do
Felipe. Nos bailes da Jariloca e do Arejar. Dançando na chuva nos braços do
Luiz. Escrevendo poemas no caderno da Sandra, cantando a música do trenzinho
com a Rogéria, torrando embaixo do sol escaldante das tardes na piscina da Jariloca.
Tomando vodka com laranja e ficando bêbada de felicidade...
Quando abro a minha caixa volto no tempo, volto para a
velha casa de madeira, com janelinhas coloridas e deito na minha cama estreita
de adolescente, coberta com lençóis perfumados de alfazema e alecrim, serviam
para afastar pesadelos e trazer sonhos bons, era o que minha mãe dizia.
Volto para os bancos da escola José de Anchieta, para as
aulas de educação para o lar aprendendo novamente a tecer tiras e tiras de
correntinha em crochê, bordando infinitos pontos cruz, aprendendo a fazer
Monteiro Lopes.
Corro de novo na ruazinha de chão batido, tomo banho de
chuva sentindo cheiro de terra molhada, como manga no pé, subo na arvore mais
alta do quintal e escuto os passarinhos cantando perto, tão perto que poderia
toca-los com a ponta dos dedos.
Me vejo novamente escondida no escuro da varanda
observando, no silêncio, a lua suspensa no céu até ser surpreendida pelo
assovio no portão anunciando a chegada do que eu esperava.
Um estalar de dedos e lá estou eu novamente nas matinês
de domingo no cine Macapá, fazendo de conta que o beijo trocado com impaciência
no meio da tarde foi realmente roubado e não consentido, sinto novamente os
abraços escondidos, o toque de mãos que aceleravam o coração.
Descubro novamente os segredinhos nas conversas dos
adultos e volto aos sofrimentos dos amores platônicos e mal resolvidos.
Mas o tempo é cruel e não para, passa com a velocidade de
um trem bala e eu fiquei para trás...
Cresci, amadureci e a maturidade me deu de presente
outros amores, outros cheiros e sabores, mas o correr dos anos não conseguiu
apagar a memória de dois anos especiais e duas cidades inesquecíveis.
Minhas lembranças, são só lembranças, eu escolho fechar a
tampa e esconder a caixa no centro do meu coração.
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