O olhar de Leonardo Da Vinci para a arterioesclerose

Roger Normando
Cirurgião e Professor da UFPA

Leonardo da Vinci foi um homem codificado para o sucesso. Ele não media seus feitos pela popularidade e inteligência, mas pelo modo de sentir a pulsação de suas obras.
Foi alguém capaz de superar vários obstáculos sociais e familiares para mostrar, pela lente da realidade, até onde o homem poderia alcançar. Enxergar à frente de cotidiano foi a maior moeda para torná-lo eterno. Os seus escritos representam um conjunto de documentos fascinante e atemporal. Leonardo é um mosaico intrincado de diferentes potenciais, indo desde a pintura, a sua fonte maior, até a ciência. Tem a capacidade de inspirar a todos nós, independente do que sejamos.
Viveu até os 67 anos, mas foi a partir dos 53 que engendrou em sua vasta contribuição o conhecimento moderno sobre Anatomia Humana. A sua obra prima mais famosa, Monalisa, em que continuou trabalhando até sua morte, foi substituída, entre uma demão e outra, por contribuições à medicina moderna. Naquele momento ele enovelou arte e ciência como ninguém.
A obsessão pela perfeição artística e a exatidão da forma o levou a um rumo surpreendente: a curiosidade insaciável ao estudo da mais perfeita obra da natureza: o corpo humano. Ele havia se interessado por anatomia quando ainda era jovem, provavelmente desde o ateliê de Verochio, seu guru. “Em Florença, onde passou a juventude, os artistas eram incentivados a observar dissecações e autopsias. Sempre fascinado com o corpo humano, ele estudou os mistérios da morte”, como afirma o neurocientista Jonathan Pevsner, da Escola de Medicina John Hopkins. Sob esta atmosfera, Da Vinci inventou um novo modo de desenhar os órgãos e seus diagramas influenciaram a moderna anatomia humana. Bert Hall (Universidade de Toronto) descreve o fascínio de Leonardo pelo modo que as peças do corpo humano se encaixam. Kelly DeVries, do Colégio Loyola de Maryland, se surpreendeu pelo fato de a dissecação dos cadáveres humanos não ser reprovada pela igreja da época. “Imaginemos tudo isso há 500 anos, trabalhando em uma sala de autopsia sem luz e material, acrescido de um cheiro terrível”, completa o americano.
Mesmo em condições adversas, Leonardo não se esquivou de estudar um ancião centenário queixando-se de cansaço antes de sua morte. Após o óbito, ele desceu até o necrotério para desmontar a máquina humana na esperança de poder interpretar a longevidade e a causa daquele cansaço. Realizou uma tóraco-laparotomia e alcançou uma descoberta espantosa séculos à frente do seu tempo: detectou que a morte daquele homem havia sido por insuficiência de sangue para a artéria que alimentava o coração e os membros inferiores. Observou que os vasos sanguíneos estavam bastante deformados e endurecidos. Fez assim breve descrição da arterioesclerose e, posteriormente, comparou com sistema circulatório de uma criança.
Seus famosos cadernos revelam uma gama de idéias visionárias, mas ele jamais publicou uma única página. O historiador Ed Rodney, do Museu de Ciência de Boston, observou nas anotações que ele falava em publicar um livro, mas como sempre tinha algo a fazer - uma obra a burilar ou uma observação a estudar -, o tempo acabou por surpreendê-lo. Seu legado se restringiu a um conjunto de documentos escrito em milhares de folhas de papel onde, inclusive, constava a única imagem que se tem dele: um velho barbudo com a face enrugada.
Aos 65 anos teve um Acidente Vascular Cerebral que paralisou o lado direito. Não deu para continuar a sua arte com a mão esquerda, pois ela não pintava detalhes. Em 1519 ele morreu da própria Arterioesclerose, que descreveu de forma pioneira e tão sagaz.

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