Pra você, meu amor, porque saudade não tem limites

Todas as vezes que alguma coisa de mal me acontece e as pessoas tentam me consolar, costumo dizer que a pior dor que uma mulher pode sentir eu já senti, e continuo viva.
Digo isso porque nestes momentos costumo lembrar perfeitamente a primeira e a última vez que vi o Marco. Na primeira vez que o vi ele estava chorando com as mãozinhas levantadas e um olhar de desespero no rosto. A última vez estava com um sorriso na boca e um olhar tão brilhante que seus olhos pareciam duas estrelas refletidas em seu rosto.
Para dividir esta historia com vocês eu precisei de muita coragem e esforço. Relembrar o Marco é passar da extrema alegria para momentos de tristeza e depressão. É como tomar uma garrafa de vinho, no inicio você fica eufórico, ri a toa, depois fica triste e chora com facilidade.
Para que entendam vou contar como tudo começou.
Casei em maio de 1984. A pessoa com quem casei, vinha de uma família grande, eu também tenho muitos irmãos, então era natural que quiséssemos ter muitos filhos. Foi nesta fase que conheci o Marco.
Ele era filho do meu irmão, fruto de um namoro que não foi pra frente, a mãe o entregou para ser criado pelo pai, e o pai, por sua vez, entregou para minha mãe. É uma historia triste que não vale a pena ser relembrada. O que vale a pena é lembrar o exato momento em que eu o conheci. Ele estava na varanda da casa da minha mãe, no carrinho, chorando desesperadamente, minha mãe não sabia o que fazer para que ele calasse.
Na confusão de mamadeiras e chupetas meu ex-marido se aproximou e tocou o pé dele dizendo alguma coisa que eu não consigo lembrar, ele levantou o rostinho cheio de lagrimas e abriu um sorriso lindo. Pronto! Foi o suficiente. Ele veio para o meu colo e depois pra nossa casa.
Adotamos o Marco, na época ainda não sabíamos que nunca teriamos filhos naturais, mas essa também é uma historia triste que não quero lembrar. O que quero relembrar e dividir com vocês é a historia de um garotinho que tinha tudo para ser infeliz, mas que surpreendeu todos fazendo da vida uma eterna festa.
Marco Kayke de Assunção Macedo, o meu Marco, era um garoto destemido, não tinha medo de nada, era amigo e companheiro de todos, lembro que no velório dele o que mais me surpreendeu foi a quantidade de amigos que apareceram, garotos de oito anos e senhoras de setenta anos, presidiários e traficantes, comandantes da policia e do Bope da nossa cidade, médicos e mendigos, todos queriam nos abraçar, todos queriam falar de como em certo momento nosso filho os tinha ajudado de alguma forma.
O Marco partiu em um domingo de sol, com um céu completamente azul, parecia que lá em cima ele estava sendo aguardado com festa. Nós nos despedimos na noite de sexta-feira, 16 de junho, eu estava indo para um encontro com alguns amigos e ele para a última aula antes das férias de verão. Depois da aula foi para a casa de um amigo.
Na minha volta para casa, por volta de 03h da madrugada ele não estava e eu não me preocupei. No dia seguinte ele continuava sem aparecer e, novamente, não me preocupei. Fui trabalhar às 08h30 da manhã, minha responsabilidade era fazer o plantão policial, passei pelo pronto socorro para checar as ocorrências policias e o plantonista chegou a comentar que os acidentes de trânsito estavam liderando, tentou me mostrar o livro de registros dizendo que tinha um rapaz que estava com morte cerebral e eu, editora de cultura da Folha do Amapá, nem cheguei perto, parti para a redação, fiz a matéria e voei para casa.
O rapaz era o Marco, tinha sido atropelado as 06h da manhã, dois quarteirões antes da nossa casa. Ele caminhava pela rodovia quando um carro em alta velocidade o pegou, com o choque o braço esquerdo foi arrancado e atirado a mais de 30 metros, o motorista não socorreu, a ajuda chegou rápido, mas ele já estava com morte cerebral.
Nós só ficamos sabendo do acidente às 17h, sofremos a vigília da espera para que o coração dele parasse de bater, o que aconteceu por volta das 11h do domingo.
Revoltei-me com Deus, porque levar o meu filho com tanta vontade de viver? Eu me perguntava a toda hora.
Fiquei fora de mim, não queria ir até o caixão, não queria vê-lo sem vida, sem o sorriso, sem o brilho nos olhos. Quando finalmente criei coragem de me aproximar o que vi foi o retrato da serenidade. Ele estava tão bonito, a boca estampava um sorriso cínico que ele só dava quando me contava uma mentira que eu sempre descobria.
Depois do sepultamento veio o desespero, a saudade de não tê-lo por perto, não escutar a risada, a voz, não sentir o cheiro, não escutar o barulho dos passos.
Depois a alegria de saber que ele era muito amado, o apoio das nossas famílias, dos amigos, dos moradores da nossa cidade.
Agora meu coração está acomodado, tenho a plena convicção que era hora do meu filho partir. Quando a saudade bate muito forte eu faço uma prece, converso com Deus, imploro a ele para levar até o coração do Marco a força do amor que tenho por ele, eu sei que essa força ele recebe, todos os dias, todos os momentos.

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