Exorcismo!!!
Exorcismo! A palavra era exatamente essa. O demônio
particular que lhe dilacerava as carnes precisava ser banido, retirado,
eliminado, desterrado do seu coração. Permitiu-se a caminhada longa sob a
chuva. O vento eriçava os pelos do corpo e gelava o sangue nas veias. Como em
um sonho ela atravessou a distância até o pequeno hotel onde o vira pela
primeira vez.
A chave estava no local que deveria estar e ela se
preparou para cumprir o ritual de despedida. Só mais uma vez, pensou, e você
nunca mais cruzará o meu pensamento. Subiu as escadas com o vestido molhado
colado no corpo, as lágrimas toldando a visão e a vontade de sair correndo lhe
dilacerando a alma, a dor não lhe pertencia e seria exilada.
Entrou no pequeno quarto com os olhos fechados e se
transportou, voltou no tempo e pela última vez escancarou o baú da lembrança.
Abriu os olhos e ele estava novamente ao seu lado.
A porta fechou e ela visualizou a enorme cama de casal
coberta com lençóis branquinhos, jogou-se sobre ela como se esse gesto fosse o
mais natural do mundo. O vestido preto contrastando com a cor dos lençóis e
travesseiros. Aquele era o seu lugar, naquele momento...
Olhou para ele e se perdeu na beleza do sorriso que
iluminava o rosto de formas másculas marcado pelo andar do tempo. O corpo magro
jogou-se sobre o seu, as pernas entre as suas pernas, a boca cobrindo a sua
boca. Por um segundo ela buscou a razão que restava e inutilmente tentou
esconder o desejo que ele desatou como se desata um nó.
Afogou-se, entregou-se...
A mão grande e poderosa subiu por seu dorso alcançando o
decote do vestido libertando o seio, sentiu a textura da pele brincando com o
mamilo erguido e rígido de desejo. O gemido rouco escapou da garganta quando
ele desceu a boca e tomou para si a maciez da pele...
Esqueceu as convenções, esqueceu a promessa de se
proteger, esqueceu o medo do sofrimento. A única coisa que estava em seu
pensamento era o desespero de que se ligassem, queria se sentir possuída por
ele.
A espera pareceu interminável, a ansiedade fez com que
ela parasse de respirar e quando finalmente ele a tomou sentiu que seus
destinos se fundiram, ele se tornou seu dono e senhor e ela sua escrava
devotada.
Ele foi paciente e carinhoso, a sofreguidão e a fome eram
dela, como se ele houvesse criado um apetite que nunca antes existira, foi
carregada por ele, levantada e transportada para outro mundo, um mundo que não
conhecia, que se quer sabia que existia...
Sentiu como se um vento circulante a tivesse arrancado da
terra e a levado para o espaço. Foi tocada e tocou outro ser humano, permitiu
que alguém invadisse os portões vigiados da intimidade que nunca antes
dividira, permitiu que ele penetrasse seu ser alçando todas as barreiras.
O que tinha temido durante toda a vida com medo da
aniquilação, estava recebendo das mãos dele como complemento. Sabia que seu
mundo havia se transformado, nunca mais seria o mesmo, colou-se a ele desejando
que aquela revelação nunca chegasse ao fim, que aquele momento de
transfiguração fosse perpetuado.
A guerreira fora subjugada, estava entregue e com o corpo
saciado depois da consumação do amor sentiu-se perpetuamente ligada a ele,
satisfeita deitou a cabeça no seu peito, fechou os olhos e adormeceu.
Acordou sobressaltada, colou os lábios na pulsação da
veia saltada no pescoço dele e só então tomou consciência do tamanho do ato que
havia cometido, entregara-se, oferecera-se em sacrifício e sabia que o preço
que teria que pagar seria alto.
Levantou-se da cama e esperou que as nuvens iniciassem o
parto do sol, olhou para ele adormecido, o lençol branco cobrindo parcialmente
o corpo nu, as pernas longas de músculos aparentes, o ventre achatado coberto
de pelos, a boca fina, o braço levemente estendido em um convite mudo de
aconchego, ninguém havia lhe preparado para esse sentimento de completa fidelidade
a ele, ninguém lhe havia amado como ele, ninguém lhe havia mostrado como sentir
prazer de forma tão insana.
Deixou que as lágrimas lhe inundassem os olhos e
escorressem pelo rosto em direção aos seios, tocou a nuca exatamente no ponto
onde ele mordera, tocou os seios onde ele tocara, procurou na intimidade entre
as pernas a prova do seu prazer misturado ao dele. Olhou todos os cantos do
quarto do hotel. Perpetuou na memória os detalhes.
Voltou para a cama e se aconchegou no exato momento em
que ele abria os olhos para murmurar em seu ouvido, “eu nunca vou te fazer
sofrer, você acumulou muitas perdas, tá na hora de ser feliz e eu vou te fazer
feliz, você confia em mim?”...
Ela confiou, acreditou que poderia ousar ser feliz,
acreditou que ele era diferente, mas ele, como todos também usava máscara...
Agora ele faz parte da lista de perdas que ela decidiu
encerrar. A noite foi sua companheira de lembranças e foi a lembrança que
invocou ao levantar-se e esperar que o sol começasse a pintar as nuvens olhando
pela janela de vidro...
O demônio da lembrança foi expulso, sabia que o tempo se
encarregaria de fechar a ferida que ainda sangrava, no entanto se permitiu
sonhar com uma nova vida, encheu os pulmões com o ar da manhã e abriu o sorriso
ao sair do hotel.
Como uma águia que acabara de se renovar era assim que se
sentia ao experimentar na face o
vento gelado da manhã, eu te amo disse ao
rosto refletido no espelho de água que cobria a rua.
Renascida!!!!
Comentários